sexta-feira, agosto 20, 2004

 

Imprensa Mineira em foco


Do professor Fernando Maassote, publicado em sua coluna Cenários, reproduzida em diversos sites:

Coisa de ditaduras

Para os que não se lembram do fato, a ditadura militar instituiu, a partir de novembro de l971 uma das suas muitas abnormidades jurídicas que foram os “decretos secretos”. Todos os decretos e leis aprovados até aquela data tinham como seu último parágrafo a sentença: "Este decreto [ou lei] entra em vigor a partir da data de sua publicação", considerando que ninguém podia ser obrigado a observar uma lei que não tivesse sido publicada. Mas essa disposição foi alterada por uma medida de governo pela qual o presidente da República podia classificar como "secretos" ou "reservados" os decretos de interesse da segurança Nacional que deveriam ser destinados ao conhecimento restrito de alguns funcionários!... Esses "decretos secretos" recebiam numeração especial e eram registrados no Diário Oficial. Coisa de ditaduras!...

Declarações do secretário da pasta de Comunicação do governo Aécio Neves, Eduardo Guedes, nos faz recordar o fato 1 . Estabelece ele, com efeito, falando com o jornalista Mozahir Salomão, a seguinte regra mor para pautar as relações do governo Aécio Neves com a imprensa:


“ As críticas são cabíveis desde que devidamente contextualizadas”.

Pode parecer que ele esteja propondo uma imprensa de melhor qualidade, um trabalho jornalístico melhor elaborado – “contextualizado”. Longe disso, o que a sentença epigrafada quer fazer é simplesmente justificar a censura. O que ela visa é abrir brechas sobre os textos do jornalismo mais crítico para interpelá-lo autoritariamente a pretexto de complementação ou de uma informação “mais correta”. Esta é só mais uma comprovação que a política neoliberal não tem compromisso com a sociedade mas tão somente com os grupos econômica e politicamente dominantes.

Desse passo, daqui para frente, se bobearmos, a censura pode ficar pior sob o neto de Tancredo do que sob a ditadura militar!

Antes de publicar um artigo que esbarre em qualquer matéria do interesse do Palácio da “Liberdade” o jornalista agora vai ter primeiro que mandá-lo – quem sabe se via é-mail... - ao Palácio da “Liberdade” para aprovação final. (As aspas sobre a “Liberdade” do Palácio, pelo visto, está ficando uma coisa cada vez mais natural ... E´ ou não é?)

Nós sabemos que hoje o mecanismo não é bem este. Durante a ditadura os jornais eram monitorados diretamente, in loco, por censores colocados pelos militares dentro das redações já que em princípio o governo estrelado não podia contar com o apoio dos donos dos jornais. Hoje não precisa mais disso já que os donos dos jornais – sobretudo com a crise financeira da imprensa – estão sensibilizadíssimos pelos interesses da “maquina pública” que é sempre o maior anunciante. A censura é feita ali mesmo, comandada pela direção do jornal. O que o governo faz, pelos meios confessados pelo secretário Eduardo Guedes, é só sinalizar as matérias incriminadas. E a censura é muito mais extensa do que aparece já que não são todas as suas vítimas que podem se dar ao luxo de reclamar!... Quem “exagerar” vai para o olho da rua sem nenhuma piedade. E com este estilão dominando Palácio da “Liberdade” exagerar é muito fácil: basta fazer o normal!

Na época da ditadura havia, além do mais, o espírito de sublevação da sociedade civil contra o estado violento. A censura era inadmissível já que trazia a marca, na época inconfundível, da ditadura. Hoje nós temos, em lugar disso, uma sociedade civil contaminada pelo autoritarismo da ditadura que deixou, tristemente, as suas marcas. Se não fosse este autoritarismo molecular, que toma conta de tantas cabeças e que se reforçou como cultura, o secretário Eduardo Guedes não faria declarações autoritárias tão explicitas quanto fez na entrevista com o Mozahir! Temos, portanto, que volver nossas atenções, mais do que nunca, para o lado da cultura enferma que está em nossas cabeças, contaminada pelos vírus da intolerância. Numa sociedade democrática que construiu ou reconstruiu os valores que a sustentam uma autoridade de primeiro escalão de governo algum faria as declarações do teor das do Secretário Eduardo Guedes que só sabem expressar despreparo democrático.

Ele acha tão natural o que declarou que se dispôs até a normatizar a regra autoritária dando um exemplo do que considera uma “contextualização” devida da notícia ou da opinião crítica no caso de uma certa matéria específica que é a da superlotação das prisões. Diz ele:

“O problema das cadeias públicas superlotadas, por exemplo, não começou com o governo Aécio Neves. São décadas de falta de investimento.”

Seguindo o seu preceito de como realizar um “jornalismo correto”, devemos, depois do novo “decreto” secreto (já que foi finalmente “pronunciado” mas não regularmente publicado), após criticar a catastrófica situação da superlotação das cadeias, bater, sobre a matéria, o “carimbo contextualizante” contendo as exigências do Palácio da “Liberdade”: “situação esta que não começou no governo Aécio Neves. São décadas de falta de investimento”!... Será que o Secretário não se dá conta que, com isto, além de cercear incautamente as liberdades de opinião e de imprensa por suspeitá-las de serem, de fato, oposição política, ele proíbe, ipso facto, qualquer oposição política!

Quem duvida que nestes termos, voltamos, ipsis literis, aos tempos da ditadura? Neoliberalismo, enfim, dá nisso!


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