sábado, fevereiro 25, 2006

 

"Palavras de um futuro bom"



Formaram um casal feliz. Apesar de tudo. Apesar da dureza da vida, das dificuldades financeiras, da quase-separação, do coração dele perder o rumo, das brigas. Eram felizes. Ela era sua melhor amiga. Sua maior companheira. O ajudou a entender o significado dessa palavra. Ela o amava. Muito. Amava também sua filha, e o filho que estava para chegar. Ele se esforçava para ser bom. Para ser um bom marido (muitas vezes não conseguia), para ser um bom pai, para ser um bom companheiro. Após tantas confusões do seu coração, tinha percebido que a amava. Depois de quase 13 anos de casamento, quase 15 anos de namoro, tinham cumplicidade. Claro. Se entendiam apenas numa troca de olhares, sabiam o estado de espírito um do outro apenas pelo tom da voz.


Bons momentos existiram. E foram muitos. O dia em que se conheceram, numa festa a muitos anos atrás, foi inesquecível. As palavras ditas, o início do namoro... As viagens, ficarão na memória dele para sempre. Se é que o "sempre" existe realmente. O nascimento da filha (Júlia) também foi um destes momentos mágicos, especiais. A cumplicidade do cotidiano, as emoções compartilhadas, a alma de ambos revelada, as músicas que fazem parte da vida dos dois... As conversas intermináveis noite afora, uma infinidade de planos e projetos.


O segundo filho nasceu as 20:24 horas do dia 21 de Fevereiro último. Ela chegou no hospital sangrando muito, mas ainda lúcida, sem dores, apenas um pouco de medo. Segurou sua mão quando entrou no elevador, sentada em uma cadeira de rodas. Tinha um medo terrível de elevadores. Rapidamente, foi encaminhada ao bloco cirúrgico. Após o nascimento da criança (Lucas, um lindo menino), o sangramento não parava. Outras complicações surgiram. Acretismo placentário, ou placenta enraizada no útero e em outros órgãos. Recebeu cerca de duas vezes a quantidade de sangue que circulava em seu corpo. Também plasma, soro, e outras drogas para mantê-la viva. Saiu sedada, entubada e cheia de drenos da maternidade, direto para o CTI. Choque hemorrágico. Ela perdia praticamente todo o sangue que recebia.


Ele estava ali, ao lado dela. No CTI, viu quando ela teve a primeira parada cardíaca. Se desesperou. Gritou pelos corredores, chamando mais médicos e mais enfermeiras. Depois de muita dificuldade, conseguiram reanimá-la. Ele ainda viu mais outras duas paradas cardíacas que ela sofreu. Desesperado, foi para a porta do Hospital. Ainda assim, lá de fora viu (ouviu)a quarta e última parada cardíaca dela. Três e meia da manhã do dia 22 de Fevereiro de 2006. Madrugada silenciosa, perturbada apenas pelo barulho contínuo, cruel e indiferente da máquina que a mantinha viva. Chamaram por ele lá fora, mas ele já sabia. Ela não tinha resistido, tinha ido embora. Corações bons são fortes pra certas coisas, fracos para outras. O dela era o melhor coração que ele já tinha visto. Não resistiu a tanto sofrimento, depois de lutar por cerca de 7 horas. Quando ele pôde entrar na sala da emergência, seu corpo já estava frio. Não havia mais máquinas ou tubos nela ligados. Ainda assim, estranhamente, ao tentar se despedir, ao deixar para ela suas últimas palavras, ao acariciar seus cabelos e sobrancelhas, ao beijá-la pela última vez, ele sentiu como que um sopro, um pequeno jato de ar, saindo do nariz dela. Não importa se foi ou não verdadeiro, mas ele quer acreditar nas coisas como estou contando.


Não houve despedidas. Não da parte dele. Ela, que sempre pressentiu e sabia de muitas coisas, já vinha se despedindo a algum tempo. Nas pequenas coisas. Como no gesto de dar seu celular para ele, meses antes. Como na música que vivia escutando, sempre que ele estava em casa, como se dissesse: "Esta é nossa música!". No choro fácil e repentino, se emocionando por qualquer coisa. No momento de tristeza horas antes de passar mal, quando estava numa festa de aniversário de seu sobrinho, e sem motivo algum começou a chorar. Em muitas outras coisas, gestos e palavras, ela já vinha se despedindo. Infelizmente, ele não notara. Não que não prestasse atenção nela, apenas era um pouco distraído. Agora, não há mais tempo para despedidas.


Impossível descrever a dor. A saudade. A angústia de ter que dar a notícia para a filha de apenas 9 anos, tão apaixonada pela mãe. Ele queria sumir no mundo, desaparecer, não falar com mais niguém, não fazer mais nada. A Julia e o Lucas não me deixam fazer isso. Por eles, e apenas por eles, tento dar um jeito de tocar a vida pra frente.


Na primeira noite sem ela, ele e a filha, deitados na cama, rezam. Choram. Ela diz: "Mamãe!... Agora que você virou uma anjinha, olhe por todos nós, continue pertinho da sua família. Pena que agora não posso mais te ver ou te escutar. Mas quero sonhar com você. Ah, e não precisa me pagar os quatro reais que você tá me devendo!..."
O que pode um pai fazer depois disso? Chorar? Querer morrer de tanta dor? Quero apenas ser forte o suficiente pra criar minha filha e o meu filho da melhor maneira possível, e ser o melhor pai possível. Espero, sinceramente, conseguir.


Aqui termina este blog. Um grande abraço a todos.


domingo, fevereiro 12, 2006

 

Muito tempo depois...


Escrever é um vício. Ao menos para mim. Por mais bobagens que escreva aqui, vocês não imaginam como senti falta deste espaço. Praticamente um ano se passou, sem que eu por aqui tivesse passado. Muita coisa aconteceu, claro, na minha vida e na de todos vocês. Acredito ter mais tempo agora para escrever aqui. Depois de um ano muito corrido, dando aulas de manhã e a noite, e ainda estudando a tarde, não tinha como manter este blog atualizado. Não que agora esteja com muito tempo sobrando. Ainda dou aulas de manhã e a tarde, ainda tenho que terminar o Mestrado neste ano, e daqui a algumas semanas vou ser pai novamente. Mas uma das coisas que me propus para 2006 foi voltar a escrever no blog, e este compromisso eu vou manter. Talvez não com tanta frequência, mas sempre estarei por aqui. Aos poucos, vou lendo meus blogs favoritos e verifico que eles também mudaram. Uns não existem mais, outros também estão parados, mas a grande maioria continua como sempre foi: ótimos. Nos próximos posts, dou notícia de alguns deles para vocês. Mas podem ir clicando aí do lado, passeando pelos blogs amigos, com certeza não se arrependerão.

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