quinta-feira, setembro 30, 2004

 

Arrastão Moral


Ah, o Rio de Janeiro! Fico pensando o que seria da gente sem essa "cidade maravilhosa". Já estava me preparando aqui pra comentar sobre o FEBEARIO (FEstival de BEsteiras que Assola o RIO), protagonizado pela sempre divertida dupla dinâmica de "garotinhos", e eis que vejo em todos os jormais e telejornais as últimas notícias cariocas.
Na praia do Leblon, grupos de jovens aterrorizaram os turistas, promovendo arrastões e ataques a no mínimo três grupos de turistas que por ali se divertiam. As cenas foram gravadas por um cinegrafista amador, e exibidas nacional e internacionalmente. Já era o bastante para deixar qualquer um indignado. Pior foi ver a atuação dos policiais militares que estavam "trabalhando" no local: assistiram a tudo passivamente, tendo inclusive conversado com alguns infratores, sem efetuar nenhuma prisão. Achando que não podia ficar pior, vejo as declarações do comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Hudson Aguiar Miranda. O coronel, além de classificar o ocorrido como atípico, se derramou em bobagens, bem ao estilo "garotinho". Primeiro, disse que não houve falha no policiamento, e que os policiais militares que chegaram ao local conversaram com as vítimas para que elas descrevessem os responsáveis pelo crime. Estranho, porque as imagens mostram os policiais chegando ao local e bem próximos aos criminosos, tão próximos que uma boa olhada seria suficiente para ter a tal descrição. Tudo bem. O melhor o coronel deixou para o final: disse que achava muito estranho o ocorrido. Com suas palavras: "É de se estranhar que próximo às eleições sejam filmados casos como este. Isso é uma questão muito mais social do que para a polícia resolver"...
Confesso que não entendi. O que quis dizer o coronel, homem experiente, comandante da PM carioca? Que foi tudo uma farsa, montada por adversários políticos do prefeito? Ou adversários políticos da "dupla dinâmica" de garotinhos? Quer dizer então, que agora crime deixou de ser caso de polícia, para virar uma "questão social"?
Não ignoro que a criminalidade tem uma profunda ligação com a questão social. Mas o comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, depois de fatos e imagens de tanta repercussão, ir à tv e dizer que aquilo não era um problema de polícia, foi demais...
Ah, Rio de Janeiro...
Eita Brasil!!!...

quarta-feira, setembro 29, 2004

 

Rapidinha


Boas vindas ao Avery, que depois de passar por umas boas, retorna ao convívio da blogosfera... Seja bem vindo, amigo!...

segunda-feira, setembro 27, 2004

 

Preconceito racial e mobilidade social


Muito se tem falado, ultimamente, a respeito da questão das cotas para negros nas universidades brasileiras. Eu mesmo já falei disso aqui em diversas ocasiões. Não vejo com bons olhos a questão das cotas, mesmo porquê na minha opinião servem apenas para reforçar um preconceito que já existe. A questão do acesso aos negros à Universidade passa, antes, pela falta de qualidade do ensino médio e fundamental oferecido pelas escolas públicas, onde estuda a grande maioria da população de baixa renda ( e onde se encontram a grande maioria dos negros e mestiços da população). Passa também pela condição em que o negro está "inserido" na sociedade, como veremos adiante. Antes que comecem a me jogar as habituais pedras, esclareço novamente que sou professor em Belo Horizonte, e dou aulas como voluntário em um pré-vestibular comunitário chamado Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes), voltado para alunos negros e carentes. Então, estou mais do que diretamente envolvido na questão, seja por questões de raça ou profissionais.

Um trabalho de Rafael Guerreiro Osório, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), abordando a formação da estrutura socioeconômica brasileira, traz informações interessantes ao debate. Através do trabalho, podemos perceber as relações existentes entre mobilidade social, educação e desenvolvimento econômico, e a situação dos negros na sociedade brasileira. Osório parte de uma tese bastante debatida hoje em dia, a de que o preconceito de classes seria maior do que o preconceito racial no Brasil. Eu mesmo já cheguei a acreditar nisso, mas me rendi às evidências empíricas, que provam o contrário. Para corroborar tal hipótese muito contribuiu Gilberto Freire com seu livro Casa Grande & Senzala, onde os relatos sobre a permissividade e a miscigenação física e cultural criaram um clima ilusório, de ausência de barreiras raciais.
Mais de um século depois da abominada escravidão, e o que vemos é que a mobilidade social entre negros e mulatos (ou mestiços) é praticamente inexistente, fato que por si já chama a atenção. O Brasil que se diz sem preconceitos raciais, é o mesmo Brasil que pede "boa aparência" nos classificados de jornal. O desenvolvimento econômico do Brasil-escravocrata para o Brasil de hoje teria dado condições de melhoria do status econômico e social à todos os brasileiros, mas o que observamos hoje não condiz com tal hipótese. Nem o intenso crescimento econômico registrado pelo país até a década de 80, ou o intenso processo de urbanização, resultaram em mobilidade social. Sair da roça, onde trabalhava na enxada, e vir para a cidade trabalhar como servente ou pedreiro não pode ser visto como um processo de mobilidade social. Nos dizeres de Costa Pinto, o único tipo de ascensão social experimentado pelos negros foi de escravo à proletário, sem alcançar ainda o status de cidadão.

Uma simples análise dos números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) é suficiente para jogar por terra o mito da "democracia racial": os negros estão mais presentes nos estratos sociais inferiores, seja em educação, renda ou ramo de atividade. Números do IBGE mostram ainda que, somados ao preconceito, os negros enfrentam condições adversas também no que se refere à educação. Segundo o IBGE, os trabalhadores brancos tem mais tempo de estudo (9,8 anos contra 7,7), e mesmo entre os desempregados, ainda levam vantagem (têm cerca de 9,5 anos de estudo contra 8,0 anos dos negros). Logicamente, para os negros o funil é ainda bem mais estreito.

Voltando à questão das cotas, ainda que eu particularmente não concorde com essa metodologia, fica claro que algo necessita ser feito. Ainda que não seja o melhor caminho, o simples fato de estarmos debatendo a questão e procurando alternativas é enriquecedor. Por vias tortas, acabaremos chegando ao cerne da questão. Ações afirmativas são válidas. Mas, mais do que isso, os negros necessitam de políticas afirmativas.

sexta-feira, setembro 24, 2004

 

Protocolo de Kyoto


Originado a partir da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992), o Protocolo de Kyoto (ou Quioto) foi ratificado em 16 de Março de 1998. O objetivo do Protocolo é a redução da emissão de dióxido de carbono em pelo menos 5% até o período entre 2008 e 2012, em relação aos níveis de 1990. Para que entre em vigor, é necessário que ratifiquem o tratado países que respondam por no mínimo 55% das emissões totais de dióxido de carbono.

Os países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia seriam beneficiados, dentro do Protocolo, através de um mecanismo conhecido como MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). Consiste na idéia de negociar, no mercado mundial, cada tonelada de CO2 que um país em desenvolvimento deixar de emitir. As nações desenvolvidas, as mais poluidoras, comprariam então créditos de carbono das que não poluem tanto; em outras palavras, é como se os países ricos comprassem dos pobres o direito de poluir o ar. Embora beire o absurdo, ainda assim o total de emissões seria reduzido, de acordo com as metas fixadas pelo Protocolo.

Os EUA, responsáveis por cerca de 25% do total mundial de emissões, vêm sistematicamente se recusando a assinar o Protocolo, sob os argumentos de que prejudicaria a economia dos EUA ou que o aquecimento global seria uma farsa.

Para que entre em vigor, o Protocolo de Kyoto passou a depender, então, da ratificação da Rússia, outro gigante em termos de emissão de poluentes, responsáveis por cerca de 17% do total mundial. A exemplo da China, a Rússia modifica constantemente suas opiniões à respeito da assinatura do Protocolo, ora se recusando a assinar (e fazendo média com os EUA), ora sinalizando sua ratificação (e fazendo média com a EU). Parece que finalmente os russos se decidiram (ou não) pela assinatura do tratado, com o consentimento do ministério dos Recursos Naturais em ratificá-lo. Depois de passar por mais outros quatro ministérios (Desenvolvimento Econômico, Indústria e Energia, Finanças e Justiça), o pacote de documentos sobre o assunto será enviado para a Duma (câmara baixa do parlamento).

Conhecendo o governo russo, pode ser apenas mais um jogo de cena mundial, ou pode ser que realmente se decidiram pela ratificação do tratado. Caso seja essa a opção, resta ainda vencer a ineficiência e morosidade da burocracia estatal russa, o que nos dá uma idéia de que talvez ainda demore um pouco a decisão final. É esperar pra ver.

quarta-feira, setembro 22, 2004

 

Coisas de Casal


Image Hosted by ImageShack.us


terça-feira, setembro 21, 2004

 

Brasil e Haiti (II)


A Carta Maior, no início do mês, havia informado que um outro tipo de ação será realizada pelo governo brasileiro no Haiti, provavelmente na área da agricultura. Eu já tinha falado sobre a missão brasileira aqui, quando dizia que "além de militares, a ONU e os países que compõem a missão (Argentina, Chile) contribuiria muito levando para o país professores, médicos, dentistas, enfermeiros, entre outros"...
Parece que agora o Brasil acordou, principalmente depois que o ministro da Defesa esteve por lá. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cerca de 60% da população haitiana vive no campo. Destes, aproximadamente 80% não conseguem suprir suas necessidades básicas de alimentação, e não têm conhecimento sequer de técnicas simples de irrigação.
Por falar nisso, a irrigação é um dos grandes problemas do Haiti, pois ali falta água potável até para o consumo humano, imaginem para a irrigação. Diante disso, soluções como a construção de poços artesianos e cisternas seriam alternativas simples e de grande ajuda aos agricultores. Um outro problema é a cobertura florestal, hoje reduzida a 2% de sua cobertura original. Sem a cobertura vegetal adequada, o solo é lixiviado rapidamente, e os processos erosivos são ainda mais acentuados.
De fato, agora sim o Brasil está realmente pensando em ajudar o Haiti. Fazer algo mais além do envio de tropas militares e time de futebol. Depois do circo, o pão.

Aliás, ainda não entendi direito os objetivos brasileiros ao chefiarem esta missão militar da ONU no Haiti. Quer dizer, sei muito bem que um dos objetivos, ao liderarem a missão, é reforçar a sua atuação no cenário internacional, aumentando assim suas chances no eterno pleito por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Isto todo mundo sabe. A questão é: de que serve uma vaga no Conselho de Segurança, num mundo cada vez mais unilateral? Os EUA simplesmente impõem seus interesses no Conselho de Segurança, e quando não são atendidos ou recebem algum tipo de veto, ainda assim agem de acordo apenas com seus interesses. Vide invasão ao Iraque e "Doutrina Bush". A própria ONU precisa urgentemente rediscutir o seu papel no mundo de hoje, pós-Guerra Fria, sob o risco de acabar desaparecendo.

segunda-feira, setembro 20, 2004

 

Que país é esse?


O jornalista Clóvis Rossi, articulista da Folha, publicou dia desses um artigo contestando o colega Luís Nassif, onde este dizia em outro artigo que o Brasil é o país "mais amado do mundo". Rossi, então escreveu dizendo que essa onda brasilianista tinha a ver mais com a "cor" (verde e amarelo) do que com o país propriamente dito. Até aí tudo bem. Cada um publicou e defendeu sua opinião, e embora os argumentos de Rossi fossem bem fracos, o debate terminou sem maiores celeumas.
Interessante foi a reação do secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, o sr. Ricardo Kotscho (sim, aquele mesmo que disse que "liberdade de imprensa era um valor definitivo à democracia, mas que na sociedade, nada é absoluto"...). Em artigo publicado no mesmo jornal, dia 14 de Setembro, Kotscho ataca intempestivamente os argumentos e a pessoa de Clóvis Rossi, de quem se diz "amigo" (da onça). Lá pelas tantas, o sr. Kotscho solta essa pérola, ao acusar o "amigo" Rossi de que o mesmo viaja demais e não conhece mais o Brasil:

"Há quanto tempo você não vem a Brasília, não vai aos fundões do Brasil, onde há fartura e emprego e já foram beneficiadas 5 milhões de famílias com o Bolsa-Família, não bota os pés numa fábrica funcionando a pleno vapor ou numa terra irrigada de agricultura familiar, não conversa com empresários e trabalhadores anônimos da Zona Franca de Manaus ou dos agronegócios do cerrado?" (os grifos são meus).

Ora. A qual "fartura" e "emprego" o sr. Kotscho se refere? Como chegou nos 5 milhões de famílias, se vimos recentemente que o sr. Patrus Ananias, que deveria ser o responsável pela contabilidade e controle do programa, admitiu não ter controle algum? Como esquecer que o cerrado está sendo tomado pela soja, graças ao nosso modelo de desenvolvimento agro-exportador, e que esse mesmo "cerrado" está sendo praticamente devastado para tais finalidades?
Fiquei com a impressão de que não é Clóvis Rossi que viaja muito e não conhece o país. É Ricardo Kotscho que vive em outro lugar. Quem sabe com Alice, no país das maravilhas?

 

Aquecimento Global


Em brilhante artigo, Luis Carlos Baldicero Molion, um de nossos maiores estudiosos sobre a Meteorologia, aborda a questão do comportamento do clima global e seus reflexos sobre o Brasil. Molion faz suas previsões a partir do comportamento das temperaturas da superfície do Oceano Pacífico, caracterizado por variações denominadas de ODP (Oscilação Decadal do Pacífico), que teriam fases (frias e quentes) de duração aproximada de 20 a 30 anos. Baseado na hipótese da ODP agir como um importante controlador do clima global, Molion diz que o Brasil deve sofrer mudanças climáticas em virtude de uma fase fria da ODP para os próximos 20 anos. Tais mudanças se dariam no aumento da amplitude térmica diária, invernos mais rigorosos e totais pluviométricos menores, ainda que melhor distribuídos. Quem se interessar e quiser conferir o artigo na íntegra, juntamente com gráficos e bibliografia sobre o assunto, é só clicar aqui...

sexta-feira, setembro 17, 2004

 

Eleições em Minas (II)


Segundo a última pesquisa do Ibope, o candidato a prefeito Fernando Pimentel, do PT, lidera a polarizada disputa pela prefeitura de Belo Horizonte com 54% das intenções de voto. O candidato João Leite, do PSB, caiu de 30% para 25% das intenções. Segundo a pesquisa, tais números seriam suficientes para que o candidato Fernando Pimentel fosse eleito ainda no primeiro turno, já que seu percentual é maior que a soma de todos os outros candidatos. Mesmo incluindo a margem de erro (3,5%), a previsão ainda é a mesma.

Eleições são sempre uma incógnita. Em Minas, mais ainda. Já tivemos aqui resultados de urna que contrariaram todas as pesquisas realizadas. A respeito das pesquisas, ainda tenho comigo aquela velha dúvida: até que ponto as pesquisas deixam de ser um indicativo da situação e passam a influenciar o voto de outras pessoas? Não sou nenhum leigo em matéria de estatística. Sei que pesquisas bem realizadas são perfeitamente capazes de ilustrar, de maneira bem real, a intenção de voto dos eleitores. O problema está aí: "pesquisas bem realizadas". Fatores como a amostragem (universo pesquisado), locais definidos para a pesquisa, tipo de perguntas, período e duração da pesquisa, entre outros, é que conferem às pesquisas a credibilidade necessária.

Mas o fato é que, independente do que foi dito acima, a situação do candidato Fernando Pimentel é bem tranquila. Desde o início do horário eleitoral gratuito, no rádio e na televisão, a diferença entre ele e o candidato João Leite não pára de aumentar. Nem mesmo a entrada do Governador Aécio Neves no programa eleitoral de João Leite foi capaz de reverter os números. Embora o Governador goze de grande prestígio junto à maioria da população mineira, a avaliação do governo do PT na Prefeitura de BH é muito boa. Isso mostra claramente que os eleitores estão sabendo muito bem diferenciar a política e os interesses do Estado (MG), da política e dos interesses do município (BH). Devagarinho, estamos aprendendo.

A propósito, a participação do Governador Aécio Neves na campanha de João Leite deve ser intensificada nos quinze dias que antecederem à eleição, negando boatos de que o governador estaria se afastando do candidato. Pelo andar da carruagem, pouco ou nada vai adiantar a maior participação do governador na campanha de João Leite. Mas é como dizem por aí, que ser mineiro é "fazer oposição sem granjear inimigo"; "é ficar em cima do muro, não por imparcialidade, mas para poder ver melhor os dois lados"... Pelo que parece, descemos do muro...


 

Recomendações


O Muggiati acaba de postar um texto bem interessante. Fala sobre um "choque de civilizações", bem mais real do que aquele apresentado pelo Samuel Huntington. Morando em Manaus, Muggiati aborda com propriedade o tema, abrindo nossos olhos para as distâncias que separam os "caboclos" da turma do "sul maravilha". Vale a pena dar uma conferida.

* * *

Garantia de boas risadas hoje no blog do Rafael, com o post sobre "As alegrias que o Google me dá (II)". Inteligente e divertidíssimo...


quinta-feira, setembro 16, 2004

 

Relativismo


Excelente o artigo do Guilherme Fiuza a respeito do "relativismo", um dos males da modernidade. O Empatia chamou a atenção para o artigo um dia desses, e fui lá conferir. Vale a pena dar uma lida. Já tinha abordado o assunto aqui também, criticando essa mania de "relativizar" tudo que a gente tem. Quando não relativizamos, ficamos nos extremismos. Não sei o que é pior.
Não conseguimos mais fugir da camisa-de-força Bush/Osama em que o mundo se meteu. Quando do 11 de Setembro, risinhos sarcásticos diziam: "agora eles estão vendo o que é bom!"... Terrorismo? Foi nada. "É, mas você viu o que os EUA fizeram não-sei-aonde???".
Diante dos últimos acontecimentos na Ossétia do Norte, quando crianças foram estupidamente assassinadas, os relativistas de plantão sacaram suas armas: "É, mas você lembra o que o Putin fez em Grozny??"
Como se pudéssemos esquecer os erros e as barbaridades de Bush, Putin, Osama ou qualquer outro homicida desses. Justamente por não esquecer, posso compreender cada ação e reação, que escrevem com as mais negras letras as novas páginas do mundo pós-moderno (seja lá o que isso queira dizer). Compreender. Não dá para justificar ou perdoar.
Relativizar tudo é o mesmo que querer "justificar" tais atos. É ser cúmplice de tanta covardia e estupidez.

Em tempo: também acho Bush um arrogante, também discordo das ações unilaterais da "América", também busco um mundo melhor. Mas ainda penso que existem outras maneiras de lutar.

Como por exemplo, nos mostra o André Dahmer:

Image Hosted by ImageShack.us


 

Ivan, "o terrível"


Sei que a imagem abaixo causa medo, sendo ao mesmo tempo um sinal da natureza, sinônimo de força e destruição. Mas os geógrafos de plantão vão me entender:

É uma imagem assustadoramente linda...

Image Hosted by ImageShack.us


quarta-feira, setembro 15, 2004

 

Notícias do "Velho Chico"


Nem só de transposição vive o Rio São Francisco.

Parodiando Drummond, por muitos anos vivi em Pirapora. Ali nasci e permaneci até os 17 anos de idade, quando fiz as malas e me transferi para Belo Horizonte. Como bom "barranqueiro" que sou, sempre que posso vou a cidade, rever parentes, amigos e lugares. Terra dos índios Cariris, seu nome em tupi (Pira-Poré) quer dizer "salto do peixe", numa época em que havia uma quantidade sem fim de peixes, que pululavam nas cachoeiras e corredeiras de Pirapora. A cidade fica na região do Alto Médio São Francisco, aquele mesmo "rio da unidade nacional", que nasce lá em São Roque de Minas, no Chapadão da Zagaia (Serra da Canastra). Em Pirapora tem início seu trecho navegável, até Juazeiro (BA).

Quando menino, costumava fazer passeios maravilhosos no vapor "Benjamin Guimarães". Saindo de Pirapora, o "Benjamin" se deslocava até Barra do Guaicuí, distrito de Pirapora, brindando a todos com as mais belas paisagens das barrancas do "Velho Chico". O vapor foi construído em 1913, nos EUA, chegando ao porto de Pirapora na metade da década de 20. Depois de transportar tropas durante a Segunda Guerra (até o litoral nordestino), o vapor foi se deteriorando, tendo sua navegação interrompida já no final da década de 80. Após anos de abandono e descaso, finalmente em 2002 teve início a sua restauração, tendo sido reinaugurado no início de 2004.

Image Hosted by ImageShack.us

Agora, me chega a notícia de que outro vapor, o "São Salvador", também está sendo reformado em Pirapora, e em breve voltará a navegar em suas águas, transformado em "escola flutuante", levando educação ambiental, cultura e folclore para as populações ribeirinhas. Construído na Bahia em 1937, navegou até 1969, e graças a uma parceria entre a Companhia de Navegação do São Francisco (FRANAVE), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Companhia de Eletricidade da Bahia (COELBA), prefeituras de Ibotirama (BA) e de Pirapora (MG), a reforma está sendo realizada.

Pirapora, Buritizeiro e demais cidades ribeirinhas agradecem. A luta pela preservação do rio São Francisco continua. Com ou sem a transposição de suas águas, o "Velho Chico" tenta sobreviver. Luta contra a degradação, o assoreamento de seu leito, a poluição de suas águas. Lutemos juntos.

domingo, setembro 12, 2004

 

Renda, bolsa ou esmola?


Conforme divulgado recentemente na imprensa, o governo não tem nenhum controle em relação a frequencia às aulas das crianças beneficiadas pelo programa Bolsa Escola. Lula se mostrou (quase) surpreso com a notícia. Conforme disse o Cristovam Buarque em artigo recente, aos poucos o programa de Bolsa se transforma em programa de Renda. Ainda segundo o Senador, a primeira apóia o presente, e a segunda muda o futuro. Perfeito.

Agora, me digam, onde estava o ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, que deveria ser o responsável por controlar a frequencia dessas crianças? O que anda fazendo o Sr. ministro? Se não consegue nem mesmo controlar a execução de tais programas, porque continua no governo?
O que me desanima mesmo, de verdade, é a falta de perspectiva. Quando tais programas de assistência darão lugar a caminhos que tirem as pessoas do assistencialismo barato? Não que eu desconheça a necessidade dos programas sociais. Num país como o nosso, realmente não dá para esperar que as coisas aconteçam, e o assistencialismo é melhor do que nada. Mas até quando? Qual o interesse em manter a população mais carente nesse eterno assistencialismo barato?

Ninguém é perfeito. Nossos políticos, menos ainda. Não sabem e não querem saber aprender a fazer políticas públicas. Enquanto isso, sofremos. Nossa educação tem pouca qualidade. Nosso sistema de saúde, que tem potencial para ser um dos melhores do mundo, é uma porcaria. Não conseguimos criar empregos suficientes para os jovens que ingressam no mercado de trabalho, que dirá para os que já estão no mercado e perdem o emprego. Nossa justiça, além de lenta, é cega. Só enxerga quando quer, e quem quer.
Aqueles que podiam significar mudanças, que tinham a credibilidade necessária, preferiram trilhar o caminho da mesmice. Na economia. Na área social, nem mesmo o pouco que funcionava antes funciona mais.

sexta-feira, setembro 10, 2004

 

Educação e desigualdades


Dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2003, revelam dados preocupantes sobre a situação das crianças da 4ª série. Em Leitura, 55% das crianças se enquadravam nos níveis crítico e muito crítico, incapacitadas de compreender textos curtos e simples. Em Matemática, 52% das crianças se encontravam no mesmo nível, incapacitadas de resolver problemas simples.
Graças à nossas profundas desigualdades regionais, no Nordeste o total dos níveis crítico e muito crítico soma 75% em Leitura e 69% em Matemática, enquanto que no Sudeste os números chegam a 44% e 39%, respectivamente.
Números como estes são realmente assustadores. Mais assustador ainda é verificar que, "coincidentemente", nas regiões mais pobres, com menor nível de renda, estão os piores números. A aliança entre condições de vida ruim, educação de má qualidade e baixa renda per capita, torna-se um círculo vicioso.

Triste ver a situação da educação em nosso país. Privilegia-se a quantidade, em detrimento da qualidade. E ainda falam em "salto para o futuro"... Balela.

O Antônio Carlos que escreve esse texto é muito diferente da pessoa de alguns anos atrás. O Antônio Carlos de hoje é graduado em Geografia, mora em Belo Horizonte, tem casa própria, é professor, pai, gosta de livros, frequenta cinemas, teatros, restaurantes. Uma vida razoável, de muito trabalho e alguma diversão.
O Antônio Carlos da minha infância não tinha muitas perspectivas. Morava no interior (norte de Minas), vivia sem conforto, teve que começar a trabalhar muito novo, o trabalho do pai mal dava para o sustento da família. Não era uma vida muito fácil.
Ainda não é. Mas as mudanças que aconteceram, devo, sobretudo, à educação que tive. Boas escolas (públicas), bons professores, fizeram com que as oportunidades fossem aparecendo. Claro que minha dedicação aos estudos também foi fundamental. Mas graças a educação, tive como sair da minha cidade e vir para a capital, passei em concursos públicos, fui aprovado no vestibular. A educação mudou (e está mudando) a minha vida.

Por isso, em matéria de educação, não basta quantidade. É preciso qualidade. Qualidade para dar uma oportunidade a muitos que ainda não tiveram. Educação, para que nossas crianças do Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, possam não apenas somar ou subtrair, mas resolver problemas (simples e complexos). Para que não apenas leiam, mas compreendam. E compreendendo, mudem alguma coisa.
A educação, sozinha, não irá resolver tudo. Não eliminará as desigualdades deste país. Mas sem ela, qualquer tentativa de mudança se torna inviável.

quarta-feira, setembro 08, 2004

 

Querem justificar o injustificável

Image Hosted by ImageShack.us


Tem gente que pensa e age exatamente dessa maneira. Não consigo ser assim. Não faço discursos para impressionar ninguém. Nem mesmo faço discursos. Mas não gosto de ficar em cima do muro. Não dá pra fechar os olhos e fingir que não aconteceu nada.
Recebi vários emails e respostas de pessoas, dizendo "ah, mas e o Bush?", ou então, "você sabe o que o Putin fez na Chechênia?". Por isso, volto novamente ao assunto. Ninguém pode ignorar as atrocidades cometidas pelos russos na Chechênia. Tanto no período 1994-1996, quanto em 1999-2000, milhares de pessoas (civis) foram mortos nos ataques das tropas russas. Mas não podemos usar o que aconteceu, o que os russos fizeram, para tentar qualquer tipo de justificativa ante o massacre perpetrado pelos terroristas. Tanto no passado quanto agora, pessoas inocentes pagaram um preço muito alto. Adultos e crianças foram assassinados, tanto na Chechênia quanto agora na escola em Beslam. Não se trata de evocar sentimentos cristãos. Se trata de protestar contra tanta idiotice. Tanta estupidez. Tanta barbaridade. Se trata de não perder a capacidade de se indignar. Se trata de não ficar querendo justificar nenhum dos dois lados. Se trata de ser humano.
Se trata de não ser tão idiota, a ponto de achar tal tipo de coisa um ato legítimo na luta por liberdade (dos chechenos). A exemplo de Drummond, vivo o tempo presente, com os homens presentes. No passado, critiquei e protestei contra as tropas russas e suas ações no Cáucaso. No passado, critiquei e me indignei com as ações terroristas do sr. Bush, o "arauto" da verdade do nosso tempo. Mas isso tudo não vai me fazer calar diante da estupidez. Isso não justifica os "homens-bicho", que amarram bombas no corpo e explodem tudo a sua volta. Não vai justificar também os "homens-bicho" que explodem e matam crianças inocentes. Abram os olhos. Saiam das trincheiras. Deixemos de ser avestruzes, e olhemos o mundo a nossa volta. Ainda dá pra mudar, melhorar um pouco.


sábado, setembro 04, 2004

 

Barbárie em Beslam


A Chechênia se situa em uma região montanhosa, entre o mar Cáspio e o mar Negro, sendo habitada por diversos grupos étnicos, de maioria muçulmana. Sua capital é Grozny. É uma região importante para a Federação Russa, sobretudo por causa das ricas reservas de petróleo existentes no mar Cáspio. O contato entre russos e chechenos é antigo, datando do século XV ou XVI, mas sem maiores turbulências até a invasão russa na região que começa com "Ivan, O Terrível", passando por Pedro e Catarina.
Após forte período de resistência contra os russos (entre 1829 e 1859) e combates esporádicos, a Chechênia passa a fazer parte do Império Russo e, posteriormente, da URSS (União das Repúblicas Socialistas Sovièticas). Após o colapso da antiga União Soviética, os líderes chechenos declararam sua independência, fato que não é reconhecido por Moscou, que ainda a considera como parte da Federação Russa. Entre 1994 e 1996 tropas russas invadiram a Chechênia, numa tentativa de esmagar as forças que lutavam pela independênica da república. Acordos assinados neste ano (1996) garantiram um cessar-fogo, com o governo russo reconhecendo uma eventual derrota e oferecendo aos chechênios autonomia quase total, mas sem permitir a sua independência da Federação Russa. Após isso, as escaramuças continuaram, com diversos ataques terroristas por parte dos chechênios, seguidos de uma pronta resposta do exército russo.

Em 1995, os chechênios invadiram um hospital em Budyonnovsk, fazendo cerca de 1000 reféns. Uma atuação desastrada das tropas russas, permitindo a fuga dos terroristas, resultou na morte de cerca de 160 reféns, policiais e soldados.
Em 1999, rebeldes chechênios (militantes islâmicos) atacaram a república vizinha do Daguestão, matando cerca de 300 pessoas; como resposta, o exército russo invadiu novamente a Chechênia e tomou Grozny, destruindo a capital.
Após vários outros ataques, em 2002 os rebeldes chechenos invadiram um teatro em Moscou, fazendo cerca de 700 pessoas como reféns. As Tropas Especiais Russas invadiram o local após o início da execução dos reféns pelos terroristas. Um gás produzido a partir do ópio foi jogado no sistema de ventilação, e as tropas russas executaram os terroristas, que ficaram desacordados. Cerca de 115 reféns morreram por causa dos efeitos do gás, e todos os terroristas foram executados.

Na última semana, uma escola na cidade de Beslam, na Ossétia do Norte (um pequeno Estado na região do Cáucaso, sul da Rússia), foi tomada por terroristas, que mantinham mais de 1,2 mil reféns, entre crianças, professores e pais. A maioria da população da Ossétia do Norte é formada por cristãos ortodoxos, enquanto que na região a maioria dos outros Estados é formado por maioria muçulmana (Chechênia e Ingushétia, por exemplo).

Image Hosted by ImageShack.us

Ontem (sexta-feira), tropas russas invadiram a escola, entrando em combate com os sequestradores. Segundo a BBC Brasil, o número de mortos pode chegar a mais de 250, com mais de 700 feridos. Ainda não se sabe direito as origens do conflito, se partiu das tropas russas ou dos sequestradores. Tiros, explosões, gritos e correria começaram a acontecer assim que ambulâncias entraram no local para coletar corpos das vítimas que morreram durante a invasão da escola.

Image Hosted by ImageShack.us

Ainda segundo a BBC Brasil, alguns reféns contaram que foram obrigados a urinar em garrafas e beber a própria urina, tiros foram disparados para o teto quando bebês choravam e no mínimo 20 pessoas foram mortas pelos terroristas no primeiro dia do sequestro.

Image Hosted by ImageShack.us

O chefe regional da FSB (antiga KGB), Valery Andreyev, afirmou que entre os terroristas mortos estavam 10 árabes, reforçando uma suspeita do governo russo de participação da Al Qaeda no sequestro.

Emir Sader, em artigo publicado hoje, se limita a criticar a ação das forças de segurança russas no episódio, jogando o ônus da culpa no presidente russo Vladimir Putin e sua "guerra infinita", segundo suas palavras.
Declarações simplistas como a de Emir Sader não dão conta da explicação para o problema. Sader é suficientemente esclarecido para saber que a história russa mostra que, desde o tempo dos primeiros príncipes, os russos consideram essencial manter o Estado, ainda que digam que a prioridade seja os reféns. Foi assim em 2002, volta a se repetir em 2004. Sader exige ainda uma condenação à Putin pelas potências ocidentais, o que não aconteceu. Tanto os EUA quanto a União Européia isentaram o presidente russo de qualquer tipo de culpa.
Independente do tamanho do rabo preso que estas nações tenham com a Rússia, querer fazer de Putin o vilão da história, como sugere Emir Sader, vai ser bastante difícil. Com certeza Putin também é responsável, em virtude do fracasso de sua política para a região e da ineficiência de seus serviços de segurança. Desde que tomou posse, aumentou ainda mais a repressão e a violência contra os grupos rebeldes, tendo cometido várias atrocidades durante a segunda ofensiva contra os chechenos, em 1999. Com certeza, ver o governo da Rússia como apenas uma vítima é olhar bem superficialmente para a complexa questão que se tornou a luta dos chechenos pela sua independência contra os russos.

Por outro lado, ações covardes como a realizada pelos rebeldes terroristas, não têm nenhum tipo de justificativa. Lutando por uma causa nobre (independência), os rebeldes sequestradores se acharam no direito de explodir pessoas e assassinar crianças. Tiveram o fim que mereciam.


quinta-feira, setembro 02, 2004

 

Edição do debate entre Collor e Lula (1989)


Muito se falou sobre a cobertura da imprensa em relação à manifestação popular pelas Diretas-Já. Agora que a Globo está comemorando os 35 anos do Jornal Nacional, voltam a tona questões como o comício pelas eleições diretas, realizado na Praça da Sé em 1984, que a Globo simplesmente ignorou na época e tratou como uma manifestação pelo aniversário da cidade, e, também, a questão da edição do debate final entre os candidatos à Presidente Fernando Collor de Mello e Luis Inácio "Lula" da Silva, às vésperas da eleição de 90. Pois bem. Não é segredo, mas todos fingem não ouvir e não custa nada repetir, com as palavras do próprio editor do debate, Ronald de Carvalho, e sua justificativa para ter feito o que fez:

"A manhã daquele 15 de dezembro de 1989 estava mais amena do que os tórridos dias de fim de primavera no Rio de Janeiro. O sol já ia alto quando acordei naquela sexta-feira. O debate entre Fernando Collor e Lula, na véspera, varara a madrugada e o cansaço me fez perder a hora.
Quando cheguei à TV Globo, o compacto do debate para o Jornal Hoje já tinha sido feito.Wianey Pinheiro, o Pinheirinho, modesto na estatura e robusto em experiência, já havia editado o material bruto. Disciplinado, mostrou-me a edição.
Pinheirinho é uma dessas pessoas que deixam seu comportamento profissional ser contaminado pela paixão política. A edição do debate para o Jornal Hoje estava maquiada para amenizar o fraco desempenho de Lula. O debate da noite anterior havia sido um massacre. Collor, do alto de sua destreza na farsa, triturou o candidato do PT e com grosseira ironia expôs sua fragilidade no campo das idéias e no domínio da palavra.
O sorteio que determinou as regras do debate estabeleceu quem o abriria e quem o encerraria. Coube a Lula dar a última palavra que ficaria como a declaração final dos candidatos na véspera da eleição. Era uma oportunidade de ouro que Lula jogou pela janela.
“Fui chamado a debater com uma pessoa que diz que é caçador de marajás. Descobri que meu concorrente não passa de um caçador de maracujá”, disse então.
Com esse humor tosco, Lula encerrou sua campanha e ofereceu sua última palavra àqueles que votariam no dia seguinte para escolher, pelo voto, depois de décadas, o Presidente da República.
O uso das aspas é impreciso na frase acima pois não tenho gravado ipsis verbis as exatas palavras de Lula. O que interessa é que a imaginosa metáfora do caçador de maracujá é absolutamente verdadeira.
A edição de Pinheirinho não refletia o flagrante desequilíbrio entre os candidatos. Não conseguia destacar os pontos baixos de Collor. Mas com o esmero de um militante fiel, ele garimpou o que de menos ridículo foi dito por Lula. Enfim, uma edição sem sabor, odor, talento e brilho.
Perguntei a Pinheiro se ele já havia submetido o VT à Alice-Maria, Diretora-Executiva de jornalismo. Não pude interferir, pois a resposta foi a de que a edição tinha sido aprovada com louvor e que deveria ir ao ar daquela forma.
Alice é dessas pessoas que a natureza premiou com uma coluna vertebral flexível e um caráter líquido que se adapta facilmente à forma dos recipientes. Presumi que se ela havia aprovado a edição de Pinheirinho era porque alguém a autorizara a fazê-lo.
A edição no Jornal Hoje foi exibida e a história mostrou que havia algum ruído no ar.
Alice imediatamente me chamou e disse que recebera uma opinião de que a edição de Pinheirinho do debate estava parcial e que eu deveria reeditá-la para o Jornal Nacional. Pediu-me equilibro e, sobretudo, o cuidado de refletir o peso exato que cada candidato havia tido no debate.
Fui para a ilha de edição e, na presença de Otávio Tostes e de um editor de imagem que não recordo o nome, comecei o trabalho para o Jornal Nacional. Faz quinze anos que editei o compacto do debate entre Collor e Lula. Faz quinze anos que, todas as vezes que lembro daquele dia, tenho a plena convicção de que repetiria o que fiz, exatamente como foi feito na ilha 4 da Central de Jornalismo da TV Globo. Não mudaria uma imagem, não alteraria nenhuma sonora, não suprimiria um frame sequer.
Diferente do julgamento que as pessoas fazem dos fatos embaçados pelo tempo, não tenho dúvidas de que a edição que executei para o Jornal Nacional estava rigorosamente correta.
Como critério de escolha dos trechos que usaria, utilizei a imagem mental do trabalho de compactação de um jogo de futebol. Estava diante do desafio de resumir, em imagens e sonoras, um Fla-Flu em que o Flamengo goleara o Fluminense por 5x1. Teria que captar os melhores momentos do jogo, as bolas em gol, as jogadas perigosas, os dribles e a catimba.
Tudo deveria ser feito de maneira tão criteriosa que o espectador, que não tivesse visto o espetáculo, pudesse ter a nítida noção de quem perdera o jogo, de quem o ganhara e quais as jogadas que haviam decidido a partida. O compacto do debate deveria mostrar o massacre de um e a indigente postura defensiva do outro.
Faz quinze anos que tenho a absoluta certeza de que aqueles que viram o Jornal Nacional do dia 15 de dezembro de 1989 tiveram o retrato fiel do que havia acontecido na véspera.
Muito tem sido escrito até hoje sobre a edição desse debate. A maioria dos textos reflete o relato apaixonado de quem condena antes de julgar. Mario Sérgio Conti, em seu livro "Notícias do Planalto", afirma ter ouvido mais de uma centena de depoimentos. Dedica-me umas tantas muitas linhas. Lamentavelmente não fui ouvido por ele. Louvo a capacidade mediúnica do autor que, sem me ouvir, reproduz entre aspas longos trechos de diálogos atribuídos a mim.
Conti é um homem honrado. Conti não mente. Seguramente estamos diante de um gênero ficcional de jornalismo que minha incultura e inexperiência profissional não percebem.
Agora detenho-me no livro recém-lançado “Notícia Faz História” onde a TV Globo fala dos 35 anos do Jornal Nacional. Também não fui ouvido, mas no caso dou o benefício da dúvida. Afinal, fiz uma gravação de mais de uma hora para um projeto de memória da TV Globo. Espero que esse depoimento tenha servido de base para minha participação no livro. Entretanto, outras pessoas falaram.
Destaca-se o depoimento de Alice-Maria onde afirma que “aquela matéria mudou a história do telejornalismo da Globo”. Aquela matéria seguramente "mudou a história da jornalista da Globo".
A tibieza e indecisão se tornariam marcas do final dessa novela.
Na tarde daquela sexta-feira de 1989, fora o alto comando da Central Globo de Jornalismo, não havia um superior imediato a quem pudesse me reportar. O diretor de telejornais de rede, Alberico Souza Cruz, permanecia em São Paulo desde a véspera. Havia dois dias que não falava com Alberico. Como faltava o superior com quem pudesse dividir responsabilidades, o jeito foi despachar direto com Alice. Sabia que era uma escolha tortuosa e temerária. Por falta de sensibilidade política, Alice-Maria sempre preferiu julgar o material jornalístico pelos adereços da forma do que pela consistência do conteúdo. Mas não havia jeito. Era com a Alice que deveria aprovar a edição do Jornal Nacional.
-Por favor, não quero nem ver. Se você fez, deve estar bem feito. Desce com essa fita e bota no ar. Não vou dar palpite.
Foi assim que Alice autorizou a exibição do compacto do debate entre Collor e Lula.
Surge no livro sobre os 35 anos do Jornal Nacional um depoimento novo. O jornalista Otávio Tostes se contorce em culpa pela edição do debate. Otávio, que até hoje nunca tinha aparecido nessa ciranda, poderia aliviar sua angústia ao se lembrar de que, em todo o episódio, foi apenas um coadjuvante, assim como o tal editor de imagem. Otávio foi um pequeno figurante sem fala no texto da peça.
Diz-se que na edição do debate Collor teve mais tempo do que Lula. Sinceramente não lembro de nenhuma intenção que tenha determinado tal diferença. É possível que na operação de escolha das sonoras possa ter havido algum descompasso entre os tempos.
No momento da edição isso era irrelevante. O que interessava era o conteúdo do que fora dito e não o seu tamanho. Quem faz jornalismo sabe que importância de notícia não se mede pela régua nem pelo cronômetro. Há informações devastadoras que podem estar contidas em cinco linhas ou apenas em uma frase.
Há sempre um instante na vida em que podemos refletir sobre os erros e confessar os fracassos. Tenho a coragem de reconhecer que na edição do compacto cometi deliberadamente um erro. Mudei a fala de Lula no encerramento do debate.
Entre Lula e Collor, não tinha preferências, mas guardava antipatias. Conhecia Fernando Afonso Collor de Mello de outros carnavais e me constrangia ver o massacre que ele impôs a Lula durante o debate. Essa foi a razão do meu pecado. Conscientemente impedi que Lula encerrasse o debate com a ridícula referência ao caçador de maracujá. Substituí a sonora, e a edição que foi ao ar não documentou com exatidão a última mensagem de Lula ao seu eleitorado na véspera da eleição.
O trecho que fazia referência ao caçador de maracujá foi trocado por uma trivialidade qualquer menos banal. O erro jornalístico do editor conferiu um pouco mais de solenidade ao discurso final de Lula.
A partir da noite de sexta-feira, 15 de dezembro de 1989, a vida continuou serena. Nenhuma crítica dos superiores, nenhum motim na redação, nenhuma alteração na rotina da apuração dos votos da eleição. Pinheirinho não cortou os pulsos, Otávio Tostes não se deprimiu, a redação não me hostilizou. Apenas um pranto quebrou o silêncio. Alice-Maria chorou.
Armando Nogueira, a quem a vida empalidece os defeitos e realça as virtudes de poeta e de grande repórter, perguntou quem me autorizara a mudar a edição feita por Wianey Pinheiro para o Jornal Hoje. Quando soube de quem partira a orientação, chamou Alice para conversar.
Assumo inteira responsabilidade por esse relato e pelas verdades ele que contém. Armando Nogueira, Alberico Souza Cruz e a família Marinho não tiveram qualquer participação nos fatos que fizeram ir ao ar no Jornal Nacional o compacto do debate entre Collor e Lula da maneira como o editei. Guardo a certeza de que se voltasse no tempo, faria tudo de novo exatamente como fiz."


Ainda seguno o Ronald, Alice Maria, na época Diretora-Executiva de jornalismo da TV Globo, teria recebido ordens do sr. João Roberto Marinho, um dos filhos de Roberto Marinho.

O relato acima, bem como outros depoimentos e opiniões podem ser lidos no site do Ricardo Noblat.


quarta-feira, setembro 01, 2004

 

O Tempo


Em tempo. O jornal mineiro O Tempo foi invadido por policias federais no dia 26 de Agosto. Munidos de mandado de busca e apreensão, procuravam por uma publicação clandestina (Betim em Dia), que supostamente seria impresso nas instalações do jornal. Agindo com a sutileza que lhes é peculiar, saudosos do Estado Novo ou do período pós-64, os policiais deram voz de prisão a dois editores, chegando mesmo a algemar um deles. Cabe ressaltar que o "tal" mandado não dizia para prender nem algemar ninguém.

Engraçado foi a reação da mídia. Nenhuma. Apenas (ainda bem) o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, que prontamente enviou uma representação ao superintendente da Polícia Federal, exigindo explicações. Esse silêncio dos meios de comunicação em relação ao episódio ocorrido chega a ser ainda mais emblemático do que o próprio acontecido.

Nem mesmo a FENAJ, que se intitula a entidade representante da classe, se pronunciou. Vai ver estavam ocupados, discutindo o projeto do Conselho Federal de Jornalismo. Ou quem sabe, em alguma reunião do "partido".


This page is powered by Blogger. Isn't yours?