terça-feira, outubro 19, 2004

 

"Desigualdade Produtiva" ou Desigualdade de Renda?


Acabo de ver um artigo do economista e professor da George Mason University, Walter Williams, a respeito do que ele chama de "Desigualdade Produtiva". Quem preferir ler o artigo na íntegra, basta clicar aqui. Vou colocar apenas as partes que considero mais interessantes já que o artigo é muito extenso, mas sem correr o risco de deturpar a idéia principal do professor.

Resumidamente, segundo o artigo, o professor Walter Williams acredita que a batalha a ser vencida não seria contra a desigualdade de renda, mas sim contra o que ele chama de desigualdade produtiva. Para ilustrar seu pensamento, o professor inicia o artigo citando os rendimentos de várias estrelas do esporte, como Shaquille O'Neal ($ 32 milhões), Tiger Woods ($ 80 milhões) e o ator hollywoodiano Mel Gibson ($ 210 milhões), entre outros, em contraste com o rendimento anual do também jogador de basquete Jamal Sampson ($ 350.000).

Em seguida, o professor passa a explicar as razões que, no seu entendimento, justificariam tal desigualdade de renda entre as pessoas citadas. Diz o professor:
"Por que algumas pessoas conseguem ter maiores rendimentos que outras? São eles simplesmente os ganhadores da "loteria da vida", como o congressista democrata Richard Gephardt costuma dizer? Nada poderia estar mais longe da verdade. Indivíduos são diferentes. Nós diferimos uns dos outros em vários sentidos: ambição, talento, aptidão, perseverança, inteligência e força física."

Até aí tudo bem. Indivíduos são diferentes, possuem motivações diferentes, interesses diferentes, habilidades diferentes, e eu nunca engoli nem entendi muito bem aquela história de salários iguais para todos. Mas para o professor, as razões que explicam as diferenças são outras, como ele explica a seguir:

"...Mas existe outra explicação para as diferenças de rendimento que as pessoas raramente levam em consideração: as escolhas dos consumidores. Shaquille joga basquete, assim como eu. Portanto, por que eu não ganho tanto dinheiro quanto ele? Simplesmente porque milhões de pessoas irão gastar entre $80 e $500 para assistir um jogo de Shaquille, enquanto ninguém gastaria sequer um centavo para ver-me jogar."

Até aqui, o raciocínio do professor ainda faz sentido. Com certeza, Shaquille joga muito mais basquete que o professor, pois se não fosse assim, provavelmente este já teria deixado de dar aulas e teria ido fazer companhia ao famoso jogador. Mas continuemos:

"... As pessoas gastam muito tempo preocupando-se com a desigualdade de renda...."

"No entanto, muito maior ajuda daríamos ao nosso próximo se focássemos nossa atenção não na desigualdade de renda, pois esta é somente uma conseqüência. E é a desigualdade produtiva o que melhor explica essa conseqüência, muito melhor do que todas as insidiosas teorias conspiratórias tão em voga hoje em dia. Não importa se são indivíduos ou países, a verdade é que raramente se vê pessoas/nações produtivas pobres ou improdutivas ricas, a menos que haja restrições e subsídios governamentais em jogo. Fazer os indivíduos mais produtivos é o desafio. Lamuriar-se sobre desigualdade de renda é fugir das próprias responsabilidades."

Aí a teoria do professor começa a fazer água. Uma coisa é o universo dos ídolos do esporte ou do cinema, cujas indústrias movimentam bilhões de dólares por ano em patrocínio, investimentos, salários, propaganda, entre outras coisas. Ainda assim, como o próprio professor demonstra no início do artigo, esportistas ou atores bem-sucedidos são a exceção, não a regra. Basta ver no "país do futebol" a quantidade de craques que temos em relação à enormidade de jogadores medianos e ruins que atuam profissionalmente em todo o país. Excelentes atores, tanto aqui como em Hollywood, capazes de seduzir multidões, também são a exceção. Talvez neste universo, poderíamos pensar em algo semelhante à "desigualdade produtiva" de que fala o artigo.
Outra coisa, bem diferente, é estender tal tipo de análise ao universo social em geral. Numa sociedade, a desigualdade de renda produz feridas profundas, tolhe liberdades, barra oportunidades, gera pobreza, revolta, violência. A menos que a sociedade imaginada pelo professor esteja restrita ao universo hollywoodiano, ignorar a desigualdade de renda na sociedade em geral, e os males que ela produz, é fechar os olhos para os problemas por ela causados. É selar o próprio caixão.
Mais a mais, tal análise não tem como ser estendida a países e nações, como quer o professor. Não dá para ser tão simplista. Não podemos, baseados na análise do indivíduo, estender o resultado para uma nação, pelo simples fato dela representar muito mais do que a soma de seus indivíduos. A regra é outra, como bem assinala o professor (mas finge não ver): "a menos que haja restrições e subsídios governamentais em jogo". É nisso que dá misturar análise de situações individuais e querer empurrar os resultados para analisar um país qualquer.
O professor sim, parece estar fugindo de suas responsabilidades, olhando para seu próprio umbigo e desconhecendo o mundo a sua volta. Que qualquer dia, pode bater à sua porta.

Comments: Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?