terça-feira, outubro 12, 2004

 

Nascer e Morrer


Sempre tive uma relação meio "socrática" com a morte. Para mim, ou a morte era o fim de tudo, um eterno nada, e não haveria então motivo para preocupações, ou a morte seria o começo de tudo, uma nova vida, e aí também eu não teria motivos para me preocupar. Tenho plena consciência de que nasci para morrer, e isso é inevitável. Nem quero fica para semente. Procuro então, celebrar e aproveitar cada dia, cada instante, cada presença, cada momento, enfim, celebrar sempre as coisas boas que temos e que tornam nossa vida neste mundo mais suportável. Mas com o passar dos anos e dos acontecimentos, minha relação com a morte foi mudando um pouco. Fui ficando egoísta. Nunca tive medo da morte. Da minha morte, quero deixar bem claro. Mas me apavora a morte dos outros. Não suporto a idéia de que alguém que eu amo, possa partir antes de mim. Sim, me tornei um egoísta, e como tal, faço questão de morrer primeiro do que as pessoas que amo. Se elas vão suportar bem ou não, a minha ausência, aí já não posso fazer nada. O fato é que eu não suportaria continuar vivendo sem minha filha, por exemplo. Sei que isso foge do meu controle, mas para satisfação do meu egoísmo em relação à morte, espero que prevaleça a ordem natural da vida.

Ainda sobre a morte, duas notícias me entristeceram hoje: a morte de Christopher Reeve, o eterno Super-Homem, e a morte do escritor Fernando Sabino.

Reeve marcou, com suas interpretações, boa parte da minha infância, e ainda hoje me assusto quando vejo alguém dizer que ele fez o "primeiro" Super-Homem. Para mim não existiram outros, ele foi único. Dese 1995 (depois do fatídico acidente que o deixou tetraplégico), Reeve vem lutando contra todas as adversidades, se tornando um exemplo de força e coragem. Infelizmente, seu coração foi mais fraco, e o "homem-de-aço" faleceu...

O Rafael, hoje, postou uma crônica do Fernando Sabino, A Última Crônica. É um texto lindo, uma das primeiras coisas que li do Sabino, que me emocionou muito a primeira vez que li, e ainda me emociona sempre que releio (sim, sim... sou um sentimental, choro até com "sessão da tarde", só não deixo ninguém ficar sabendo). Claro que virei fã do Fernando Sabino, e desde então leio quase tudo que ele publicou. Dizem que ele foi alguém que escrevia sobre o "cotidiano". Pode ser, mas o "cotidiano" que Fernando Sabino colocava em suas crônicas era mágico. É o cotidiano que nossos olhos, acostumados à dureza do dia-a-dia, se recusam a enxergar...
Mineiro como ele só, sabia como ninguém falar dos mineiros, como podemos ver aqui:


Conversinha Mineira

Fernando Sabino



-- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?

-- Sei dizer não senhor: não tomo café.

-- Você é dono do café, não sabe dizer?

-- Ninguém tem reclamado dele não senhor.

-- Então me dá café com leite, pão e manteiga.

-- Café com leite só se for sem leite.

-- Não tem leite?

-- Hoje, não senhor.

-- Por que hoje não?

-- Porque hoje o leiteiro não veio.

-- Ontem ele veio?

-- Ontem não.

-- Quando é que ele vem?

-- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.

-- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!

-- Ah, isso está, sim senhor.

-- Quando é que tem leite?

-- Quando o leiteiro vem.

-- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?

-- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?

-- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?

-- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.

-- E há quanto tempo o senhor mora aqui?

-- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.

-- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?

-- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.

-- Para que Partido?

-- Para todos os Partidos, parece.

-- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.

-- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...

-- E o Prefeito?

-- Que é que tem o Prefeito?

-- Que tal o Prefeito daqui?

-- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.

-- Que é que falam dele?

-- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.

-- Você, certamente, já tem candidato.

-- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.

-- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?

-- Aonde, ali? Uê, gente: penduraram isso aí...



Saudades, Fernando...

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