terça-feira, novembro 02, 2004

 

Baixaria ou realidade?


A Carta Capital publicou uma matéria que trata da chamada "baixaria" na programação das emissoras de televisão aberta. Está para ser aprovada no Senado uma medida provisória, a MP 195, que pretende alterar a forma da classificação dos programas de TV atuais, permitindo a influência de entidades da sociedade civil na decisão sobre horários e faixas etárias das atrações exibidas.

Uma boa pergunta, para a qual ainda não obtive resposta: Quem são as "entidades da sociedade civil", que vão exercer tal poder de decisão?

Além da tal MP, já existe a quase dois anos a campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania", promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que divulga a cada quatro meses um certo "ranking da baixaria". Além disso, a campanha vai passar a divulgar o nome dos anunciantes e patrocinadores dos "campeões de mau gosto". Segundo um dos criadores da campanha, o deputado Orlando Fantazzini, baixaria seria:

"...a programação que sistematicamente afronte dispositivos da Constituição, da lei ordinária e das convenções internacionais. Fazer apologia ao crime é afrontar o Código Penal. Estimular ou instigar preconceito racial fere a Constituição. O artigo 1º da Constituição diz que a República tem por princípio e fundamento a dignidade da pessoa humana. Então, você degradar a imagem do ser humano é uma afronta. Usar a mulher como mero objeto sexual desrespeita a Convenção Internacional dos Direitos da Mulher. E assim por diante. Todos os nossos critérios são objetivos. Não entramos em critérios subjetivos: o que pode ser baixaria para você, não é baixaria para mim. Não saímos disso. Até para não incorrer o risco de cair no fundamentalismo religioso, no moralismo."

Certo. Reconheço que é difícil ligar a TV, e assistir coisas como João Kleber, Márcia Goldschmidt, Ratinho, Gugu, Faustão e aqueles programinhas "policiais", como o Cidade Alerta. É duro.

Mas até que ponto tais atitudes como a citada campanha e a MP 195 são legítimas, e a partir de quando podem se tornar uma certa "censura"? Como conciliar valores como "liberdade de expressão" e "qualidade" dos programas televisivos? A respeito do assunto, muita gente se posiciona contra a regulamentação, muita gente a favor.

Os do contra argumentam que tais programas que promovem "baixarias", contam com razoáveis índices de audiência, portanto, se fossem mesmo tão ruins, não haveria pessoas dispostas a assistir. Além disso, as pessoas são livres para mudar de canal ou desligar o aparelho quando o que estiver sendo exibido não for do seu agrado. Mas e se quem estiver assistindo for uma criança de sete anos? Minha filha, por exemplo, sabe muito bem ligar uma televisão e trocar de canal, apesar de não ter discernimento suficiente, para saber o que é bom ou ruim, o que pode ou não pode assistir. Dentro de casa, exerço realmente o papel de "censor", decidindo para ela o que deve assistir. Mas é certo que se crie esse papel de "censor" para o restante da sociedade?

Quem é a favor da regulamentação, vê nas tais "atrações" uma verdadeira fonte da exploração da miséria humana. É um desfile sem fim de corpos mutilados, pessoas desesperadas que fazem qualquer coisa por dinheiro, armações e mentiras na ânsia de reproduzir a realidade, violência e apelo sexual.

O problema é: ao exercer tal regulamentação, quem vai dizer o que pode e o que não pode ser exibido? Quais os critérios que serão utilizados? Serão mesmo aqueles que "afrontam a Constituição e as convenções internacionais"? Quem garante que seja assim?

Acho sinceramente que alguma coisa necessita ser feita. A campanha contra a "baixaria" e a MP já servem, no mínimo, para suscitar o debate. Mas convém lembrar que os tais programas, muitas vezes, não fazem mais do que mostrar a realidade das ruas, e contra isso não criaram ainda um controle remoto eficiente.

Posso proibir minha filha de assistir certas coisas. Mas a realidade é muito mais forte que o mais apelativo destes programas. Outro dia, durante um "tiroteio" (sim, tiroteio) na porta da escola onde ela estuda, depois de uma discussão por motivos fúteis, dois alunos foram feridos por balas perdidas. Agora ela não quer mais ir à escola, ficou apavorada. E olha que nem foi no mesmo turno que ela estuda, então não presenciou os acontecimentos (ainda bem). Mas da inocência dos seus 7 anos, virou para mim e disse: "Pai, não quero mais ir à escola, tô com medo do tiroteio!!!"

Nesses casos, o que fazer? Contra a realidade, não existe "campanha" ou MP que resolva.


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