quinta-feira, dezembro 02, 2004

 

Onde fica o Sudão


Ultimamente, muito se tem falado do Iraque. É o centro das atenções no cenário internacional. O Afeganistão ficou para trás, quase esquecido.
Vez ou outra, o noticiário internacional se volta para a Palestina. De lá vemos cenas de homens-bomba (do que sobrou deles), atentados e outras barbaridades. As cenas da garota palestina assassinada, do músico palestino humilhado e outras semelhantes não chegam a nós. A história vem sendo contada apenas por um lado, tanto no Iraque quanto na Palestina. Mas isso é outro assunto, para outro post. Chega de divagações.
De volta ao começo, pouca coisa se vê no noticiário internacional sobre o Sudão. Não sabemos sequer onde fica o Sudão. Um dos maiores países da África (se não me engano, o maior), foi incorporado pelo Egito no século XIX e dominado pelos britânicos no final do mesmo século. Antes disso, por volta do século VI, o país havia sido convertido por missionários cristãos, sendo subjugado posteriormente por forças islâmicas por volta dos séculos XIII e XIV. Só conquistou sua independência em 1956. Na fronteira entre a África sub-saariana e o norte africano, tendo ao norte o deserto da Namíbia e ao sul as florestas tropicais, o país está em guerra civil há quase 50 anos. Disputam o poder o governo muçulmano (religião que representa cerca de 70% da população), de um lado, contra guerrilheiros (ou rebeldes, como é moda) cristãos (cerca de 20% da população), apoiados pelos animistas (algo em torno de 10% da população). Após breve período de "paz", a atual fase da guerra civil se iniciou após a tomada do poder por fundamentalistas islâmicos, que tomaram o poder e estabeleceram a sharia1 em todo o território. Os cristãos, que habitavam o sul do país, ao verem suas reclamações ignoradas, partiram para o conflito armado. Milícias árabes promoveram recentemente um verdadeiro massacre na província de Darfur, na região oeste do país, onde os números de vítimas oscilam entre 30 e 100 mil, segundo cálculos mais pessimistas. Os refugiados em países vizinhos já passam de 1 milhão de pessoas.
O mundo não está interessado nisso. O Sudão é um dos países mais pobres da África. Questões geopolíticas e econômicas, presentes no Afeganistão e no Iraque, estão ausentes no Sudão. Pode ser uma explicação. O show de mísseis, blindados, aviões e soldados norte-americanos está longe do Sudão. Outra explicação.
Mas a verdade mesmo, é que ninguém parou ou vai parar pra pensar no Sudão. Nem na África. Eles que se virem. Eles que se matem. Qualquer tentativa de explicar a parcela de culpa dos países europeus nas guerras sem-fim que assolam vários países africanos é taxada rapidamente de "blá-blá-blá marxista". E fim de papo. Aliás, são seres humanos, aqueles ali? Merecem ajuda? Merecem atenção? "Ah, os africanos que se virem..."
Nós, da república-das-bananas, não podemos fazer nada. Talvez. Mas o que fazemos então? Pregamos um combate à fome mundial, quando somos incapazes de matar a fome daqueles que estão aqui, tão próximos de nós?
É fácil voltar as costas para o mundo, para o outro. É muito fácil por as mãos no bolso, ao invés de estendê-las.
A indiferença é o maior dos pecados.

1 - doutrina dos direitos e deveres religiosos do islã. Abrange as obrigações cultuais (orações, jejuns, esmolas, peregrinações), as normas éticas, bem como os preceitos fundamentais para todas as áreas da vida (matrimônio, herança, propriedade e bens, economia e segurança interna e externa da sociedade). Originou-se entre os séculos VII e X d.C. a partir dos trabalhos de sistematização realizados por eruditos e legisladores islâmicos e baseia-se no Corão, suplementado pela Suna, a descrição dos atos normativos do profeta Maomé.

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